Escrito pela Psicóloga Fernanda Guimarães e pelo Especialista em Sociologia Roberto Guimarães.
A autoestima pode ser conquistada pela imagem?
É comum ouvirmos falar que uma
das formas de melhorar a autoestima é desenvolver um corpo bonito e uma
aparência adequada aos padrões de beleza em dado meio social. Superficialmente,
isso parece ser verdade, pois basta aparecer bonito(a) na rua ou nas redes
sociais virtuais para começar a receber elogios e comentários que demonstram o
reconhecimento das pessoas em relação àquela imagem exibida, o que tende a promover
bem estar. Assim, alguns assumem que o caminho para a autoestima se resume a
passar longas horas na academia, a fazer dietas extremas, a recorrer às constantes
intervenções cirúrgicas e a agir prioritariamente em nome da beleza. Isso pode
ser um grave erro e resultar em pioras significativas na qualidade da
autoestima. Mas por quê?
Definição
Primeiramente precisamos entender
o conceito de autoestima. A autoestima pode ser entendida como a avaliação que
cada sujeito faz de si mesmo independente da opinião do meio, e o resultado
desse julgamento está intimamente ligado à capacidade que esse indivíduo tem de
se gostar. Pessoas com boa autoestima farão boas avaliações em relação a quem
são e se valorizarão como um todo, mesmo reconhecendo os aspectos negativos de
sua personalidade.
Reconhecimento externo x autovalorização
Os meios de comunicação frequentemente
apresentam a ideia de bem estar associada com boa autoestima, como se estar bem
fosse uma garantia desta última. É aí que acontece o engano. Quando você se
sente bem por ser elogiado ou reconhecido pelo meio, esse bem estar tende a existir
apenas enquanto a condição de destaque perdurar e é válido apenas no meio que
se manifesta positivamente em relação a essa condição. Se o bem estar depende
exclusivamente das respostas do meio, isso significa que o indivíduo ainda não
é capaz de autovalorização.
Esse engano resulta, com frequência,
na necessidade de se manter “perfeito” fisicamente, e isso tem levado muitas
pessoas “às compras” por uma imagem ideal, mesmo que artificial, através de medidas
bastante prejudiciais. São exemplos disso aqueles que tentam negar o
envelhecimento por meio de inúmeras intervenções cirúrgicas prejudiciais à
saúde do corpo, ou que tentam corrigir “defeitos” na imagem por meio das mesmas
intervenções inconsequentes, ou ainda pessoas que fazem dietas que não suprem
os nutrientes necessários ao bom funcionamento do corpo em nome da silhueta
“perfeita”, ou que sofrem ao ingerir algumas calorias que deveriam gerar
prazer, ou que utilizam substâncias para o fortalecimento do corpo e melhoria
da imagem em detrimento do bom funcionamento dos outros órgãos internos, ou que
expõem sua privacidade de maneira abusiva por meio de fotos ou vídeos em redes
sociais virtuais para receber alguns “curtir”, e assim por diante.
Nesses casos extremos, o aplauso
e o elogio induzem cada vez mais essas pessoas à valorização, por elas mesmas,
somente daquilo que é reconhecido pelos outros. Como, atualmente, a imagem
perfeita tende a produzir mais destaque e de forma mais rápida, então é essa
qualidade que predomina em relação a todas as outras. Os outros aspectos da
personalidade são, então, deixados de lado, reduzindo a identidade a uma fina
casca chamada aparência.
Isso porque ao ficar preso ao
julgamento do meio, o indivíduo se sente, com frequência, obrigado a agradar o
tempo inteiro. Por exemplo, ao impedir-se de contradizer as opiniões do meio
com medo da reprovação ou da exclusão. E a vida tornar-se um teatro, uma
tentativa constante de se modificar para se destacar no meio. Com isso, suas
características essenciais, já relegadas ao segundo plano, são gradativamente
substituídas por características forjadas, o que altera ainda mais a identidade
do indivíduo e torna-o uma “versão falsa” de si mesmo. Afastado de suas
próprias opiniões e impedido de se expressar adequadamente, tem diminuída sua
capacidade de lidar com as frustrações geradas pelas diferenças que surgem no
convívio com os outros, pois não aprendeu a intermediar tais diferenças, apenas
a se adequar às exigências.
O círculo vicioso
O vício é um comportamento que
gera sofrimento e visa à fuga de determinada angustia e ao preenchimento de
determinado vazio. Quanto mais se usa a imagem como solução para aplacar esses
sentimentos, mais dependente, ou “viciado” da imagem o indivíduo se torna. Perceber-se
dependente diminui ainda mais a autoestima, uma vez que o indivíduo não
consegue valorizar nenhuma outra característica, em si mesmo, tão positivamente
quanto valoriza a própria imagem. E, além de ter exposta a incapacidade de se
gostar, tem também que lidar com a angústia e a ansiedade geradas pela incerteza
sobre as manifestações externas, que podem ser de aprovação, mas também de
reprovação de sua imagem.
Para piorar a situação, a imagem
não é algo estático e tende a se deteriorar com o passar do tempo, o que diminuirá
constantemente o destaque que consegue obter. E ao viciado, a falta da droga,
nesse caso o aplauso, pode tornar a vida um fardo e levar o indivíduo à adoção de
medidas ainda mais drásticas na construção da imagem corporal. Pode também conduzir
a estados depressivos, à desmotivação na construção de objetivos e etc.
Desenvolvendo a autoestima
Novamente, possuir autoestima boa
é ser capaz de se valorizar e de se sentir bem consigo mesmo que as respostas
do meio sejam reprovadoras ou desagradáveis. E, como mostrado anteriormente,
para atingir esse estado psicológico é necessário dar alguns passos além da
simples exposição da imagem para o meio em busca de destaque.
Certamente, de início, é
importante um bom relacionamento com o meio social, pois é por meio das
interações e das comparações com outros indivíduos que o indivíduo é capaz
qualificar as próprias características. Esse bom relacionamento, porém, deve
ser construído gradativamente e em relação ao indivíduo como um todo. A
construção do relacionamento de forma gradual permite o aprofundamento das
interações entre o meio e o indivíduo.
Ao apresentar-se para o meio como
um conjunto de capacidades que o representam totalmente, as respostas às
interações permitirão uma percepção e um reconhecimento mais abrangentes, que
incluirá tanto as qualidades como os defeitos, mesmo que essa percepção ainda seja
vinculada às posições desse mesmo meio.
Dessa forma, ao reconhecer os
seus defeitos o indivíduo pode tentar melhora-los. E ao ser reconhecido como um
todo, e não como uma imagem somente, o indivíduo é valorizado em aspectos mais
sólidos e duradouros de sua personalidade. Muitos destes aspectos, diferentemente
da imagem, não são apenas receptivos e deterioráveis. Podem, em sua maioria, desenvolver-se
e propiciar a participação ativa do indivíduo nos ambientes.
Ao enxergar-se como um conjunto
de características, pode por meio delas se identificar com os diversos meios
sociais dos quais participa. Cada meio responderá diferentemente quanto às demonstrações
de admiração e ou reprovação em relação ao indivíduo. Isso quer dizer que uma
característica que era tida como boa em determinado meio poderá não ser vista
da mesma maneira em um ambiente distinto. Dessas contradições o indivíduo pode
perceber que a qualidade está nele e não nos difusos reflexos apresentados
pelos meios; e que, em meio a tantos julgamentos diferentes, depende apenas dele
a valorização de suas características de maneira sólida. A percepção dos aspectos
mais sólidos e duradouros da própria personalidade possibilita o amadurecimento
psíquico e facilita a aceitação em relação às variações da imagem, como as
proporcionadas pelo envelhecimento.
Conforme assume gradativamente as
próprias definições sobre sua identidade, passa a confiar cada vez mais em sua
capacidade de se determinar. Assim, terá desenvolvido habilidades de
autovalorização e trará seu ponto de decisão cada vez mais para si mesmo, reduzindo
o impacto dos julgamentos do meio e tornando-se independente deste.
Texto muito bem elaborado; claro e objetivo. Parabéns aos autores.
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