segunda-feira, 23 de março de 2015

A Melhor Arte Marcial

Escrito pelo Diretor do Grupo Projetar Roberto Guimarães.

Ao começar a praticar uma arte marcial, o aluno aprende uma série de técnicas combativas que despertam seu interesse e curiosidade. Muito dessa curiosidade se deve ao fato de que ele ainda não verificou a eficiência de tais técnicas, ainda está tentando entender como executá-las e aplicá-las. Começa então o apego ao que está aprendendo, e consequentemente o apego à modalidade que pratica. Esse apego pode ser alimentado pela necessidade de pertencer a algum grupo, no caso o grupo de pessoas que praticam a mesma modalidade e estão enfrentando os mesmos desafios.Pode também ser alimentado pela necessidade de se destacar.
Essa busca pelo destaque acaba muitas vezes sendo feita de formas absurdas. O que deveria ser um caminho de auto realização pode se tornar um infeliz caminho de autoafirmação. E o individuo que precisa se auto afirmar no outro é aquele que vai buscar na criação de conflitos reais uma forma de realizar-se. Arruma brigas para deixar claro que o que aprendeu nas artes marciais funciona e o torna “melhor” do que os outros.
Não percebe, porém a série de erros que comete. Primeiro: sempre existe alguém melhor, se não hoje, ele aparecerá amanhã. Ninguém consegue ser eternamente o melhor em algo. Segundo:está distorcendo o que lhe foi ensinado por seus mestres e professores, seja por incapacidade de aprender os conceitos ou pela incapacidade de vivenciá-los diariamente, já que o que se aprende requer firmeza de caráter para poder vivenciar. Assim ajuda a piorar a imagem que a sociedade faz das artes marciais,e prejudica não somente aqueles que as ensinam, mas todos os envolvidos nessas práticas. Terceiro: não percebe que tais atos somente o tornam, segundo os olhos dos que presenciam tais comportamentos bárbaros, um covarde descontrolado e irresponsável que não sabe administrar o poder que lhe foi conferido. Ao invés de aproximar as pessoas e aumentar o seu círculo de influência social,apenas as afasta pelo medo que nelas provoca. Portanto vê frustrado o seu objetivo de chamar a atenção para a sua pequena existência. Quarto: tais comportamentos não resolvem os problemas que o motivam a se comportar assim. A vaidade, o medo, a baixa autoestima continuarão lá enquanto a busca por fortalecimento for externa. A superação de um adversário por imposição não representa nenhum tipo de melhoria interna, apenas demonstra que o que armazena em seu interior é tão instável e desequilibrado que sua liberação não consegue ser impedida.
Há outras formas de se buscar o destaque, menos nocivas, mas ainda errôneas. O apego que desenvolve pela disciplina marcial que pratica o faz compará-las com outras artes marciais.Busca então convencer-se que a sua arte marcial é sem dúvida a melhor. O pensamento de que sua arte marcial é a melhor não é totalmente errado, apenas os são os motivos que o levam a concluir isso.
A tecnologia inovou as formas de guerrear. Conforme mencionei, os exércitos eram antigamente compostos de combatentes que se utilizavam de punhos, espadas e outras armas rudimentares para vencerem suas batalhas. Hoje se pode ganhar uma guerra e destruir países inteiros apertando apenas um botão. Armas nucleares, mísseis de longo alcance,armas de fogo de última geração, aeronaves não tripuladas e etc. tornaram os combates corpo-a-corpo obsoletos. Com isso, a questão da eficiência técnica ficou limitada apenas aos campeonatos e a outros usos muito particulares, como os dos agentes de segurança e das forças policiais.
Os campeonatos, até muito recentemente, permitiam o confronto apenas entre competidores de uma mesma modalidade. Como os competidores de diferentes artes marciais não se confrontavam nesses eventos, perpetuava-se a questão de qual era a melhor arte marcial. Surgiu, então, a ideia de fazer campeonatos multidisciplinares, e muitos acharam que enfim teriam a resposta para a inquietante pergunta.  
Mas como definir qual é a melhor arte marcial, se é que isso tem realmente alguma importância, se não é a arte que está sendo confrontada, mas sim o atleta que a pratica? Podemos ver, por exemplo, que são muitos os confrontos em que dois atletas que se alternam no pódio, deixando claro que o fato de um indivíduo ganhar hoje não significa automaticamente que ele é melhor que o seu adversário. Muitas são as variáveis que determinam um combate, mas com certeza não é a disciplina que se pratica.Por mais que em dado momento um sistema de combate se apresente como superior,devido aos resultados que vem colhendo, as ferramentas das quais se utiliza para gerar destaque nos combates serão estudadas, e prontamente serão apresentadas contramedidas capazes de anulá-las e equilibrar novamente os confrontos, até que novas medidas sejam desenvolvidas, em um ciclo interminável. E com o advento das artes marciais mistas fica impossível determinar qual das artes praticadas pelo atleta foi responsável por sua vitória.
É como tentar definir, por exemplo, qual carro é melhor, um Fusca ou uma Ferrari. Muitos responderiam automaticamente que a Ferrari é melhor, sem questionarem qual é o quesito de avaliação. E se os custos mais baixos de aquisição e de manutenção forem os parâmetros decisivos? Teríamos então o Fusca como o melhor carro. Isso nos leva ao pensamento de que a finalidade pela qual se busca algo é o que determina a melhor dentre as opções que se apresentam.
Voltando para as artes marciais,podemos, de forma análoga, chegar à seguinte conclusão: a melhor arte marcial é aquela que melhor atende as necessidades do indivíduo que a pratica. Com base nesse conceito, a questão da eficiência perde o sentido, e prevalece a questão da auto realização, como tem que ser. As artes marciais não podem ser encaradas como rivais, mas sim como diferentes vias para um mesmo fim. Percorrer a via é o verdadeiro desafio.
Assim como alguns preferem Jazz ao Blues, a escolha da arte marcial se torna questão de gosto. Há aqueles que preferem artes mais dinâmicas, repletas de chutes e socos em sequência, como o Tae Kwon Do. Há os que se realizam através das projeções, e escolhem o Judô, e assim por diante. Cabe ao indivíduo selecionar a que mais lhe agrada, pois assim terá melhores chances de permanecer no caminho e se realizar. Antes de escolher uma arte marcial, portanto, o individuo deve pesquisar as suas características principais.
Muitas dessas características têm sua origem na finalidade que motivou o desenvolvimento da arte, como por exemplo, o caso da arte dos ninjas. Os ninjas eram guerreiros que precisavam combater os poderosos samurais, bem armados e protegidos por excelentes armaduras. Um confronto direto colocaria os habilidosos samurais em vantagem, e por isso os ninjas desenvolveram as ferramentas de subterfúgio para equilibrarem as disputas.
Outro exemplo é o Aikidô, que foi desenvolvido a partir de técnicas usadas em combates nos quais um dos lutadores havia perdido sua espada, ou nos quais se deparava com um adversário portando uma espada enquanto lutava com as mãos vazias. Esse indivíduo teria poucas chances se tentasse avançar e atacar o oponente portando a espada, pois poderia ser facilmente atingido à distância. O resultado disso foram as técnicas evasivas, que deslocavam o indivíduo para fora da linha de corte, e, através das movimentações circulares promoviam o desequilíbrio do atacante e permitiam desarma-lo facilmente. Tais movimentações evitavam a oposição às forças aplicadas pelo adversário, e por isso se adequaram perfeitamente ao princípio de não violência que rege essa linda arte marcial.
Outras artes marciais tiveram suas características definidas pelo relevo, fator que influenciou a criação de diversos estilos dentro da mesma modalidade. Podemos ver isso no Kung Fu e em seus numerosos estilos. Há alguns que se utilizam de saltos, chutes e movimentos amplos com grandes deslocamentos, características de estilos desenvolvidos em regiões de solo plano e firme. Outros trabalham técnicas curtas de braço, com bases firmes e pouca mobilidade, provavelmente desenvolvidos em terrenos pantanosos ou alagadiços.
Estudar as características das artes marciais e seus aspectos históricos facilita a escolha da arte marcial que se quer praticar, e promove maior identificação do indivíduo com determinada disciplina. Uma vez escolhida a modalidade, deve-se incentivar o individuo a pesquisar outras artes marciais também, como forma de aculturar-se nesse universo de profundos conhecimentos.
Quanto mais se aprofundar, melhor compreenderá, e ao perceber que a maior parte das artes marciais se apoia em princípios de conduta semelhantes, independentemente dos grupos técnicos que adota como ferramentas de desenvolvimento, suas possíveis dúvidas quanto ao valor da arte que escolheu serão sanadas e poderá se sentir mais confiante ao percorrer o caminho.
Somente para complementar, não sugiro, conforme o avanço acontece em determinada modalidade, que se opte por múltiplas disciplinas, na tentativa de compensar aquilo que aparentemente uma modalidade não oferece. Os métodos diferentes e as diversas técnicas apresentadas podem conflitar na forma de execução, no estabelecimento do equilíbrio, na aplicação em combate, enfim, na auto percepção, podendo retardar o desenvolvimento interno. Se o que se busca é a melhoria da atitude, não há necessidade de utilizar várias vias, e os resultados aparecerão mais rapidamente se a dedicação ao caminho escolhido for integral. Ao atingir o grau de faixa preta – ou o equivalente nas modalidades que não adotam esse sistema de graduação – o indivíduo já terá melhorado suas características e sua capacidade de discernir, assim como terá um ótimo controle de seus movimentos,e aí então poderá absorver melhor uma segunda disciplina. 

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