terça-feira, 24 de março de 2015

O Cenário da Violência

Escrito pelo Diretor do Grupo Projetar Roberto Guimarães.


Há algumas décadas, víamos também todo o tipo de crimes sendo cometidos, desde agressões domésticas a estupros e assassinatos. Mesmo assim, nos sentíamos mais seguros.
Mas então, o que mudou? O que nos gera essa sensação de extrema insegurança?
Vários fatores contribuíram, e ainda contribuem, para que nos sintamos assim. Aqui vamos discutir sobre alguns deles para que tenhamos consciência de que somos parte do problema, e que a solução depende também de nós. 

O crescimento populacional versus o aumento das forças de segurança

O mundo está crescendo, e crescendo rápido. Em 1980, a população no Brasil era de pouco mais de 120 milhões de habitantes. Apenas três décadas depois, aumentamos esse número em quase 60%.
As forças policiais, por outro lado, não acompanharam tal incremento em seu efetivo. Isso quer dizer que cada policial hoje tem que cuidar de uma parcela muito maior da população do que cuidava décadas atrás.
Segundo levantamento feito pelo Ministério da Justiça, o total de profissionais dos órgãos estaduais de segurança pública – que inclui policiais civis, policiais militares e bombeiros militares – era de 569.798 em 2003 e de 599.973 em 2007.
Se compararmos com a população no Brasil nesses períodos, vemos que, em 2003, tínhamos um policial para 310,5 habitantes. Em 2007, essa relação já era de um policial para 315 habitantes. Se considerarmos que um grande percentual da força policial atua em áreas administrativas e investigativas, os integrantes da força ostensiva, a que realmente patrulha as ruas e responde aos chamados, acabam se tornando responsáveis pela segurança de um número muito maior de habitantes.


Qual é a pena máxima no Brasil? 30 anos de reclusão. Isso quer dizer que, caso o criminoso cometa uma série de assassinatos, estupros e torturas aos 18 anos, estará livre aos 48 anos, caso não retorne ao convívio social antes, em regime condicional de liberdade.
Ou seja, terá uma segunda chance de cometer mais crimes, agora, porém, já com bastante experiência, afinal, teria passado 30 anos em contato com outros bandidos, se tornando graduado no crime – já que nosso sistema carcerário não promove mais do que o seu isolamento da sociedade e em nada atua na sua recuperação.
Mas sabemos que a realidade é ainda pior. Há várias formas de termos uma pena reduzida, entre elas apresentar bom comportamento (como podemos premiar por bom comportamento alguém que já deve à sociedade por ter se comportado mal?) e  ser réu primário, ou seja, tornamos mais fácil o ingresso do indivíduo ao crime, garantindo-lhe benefícios dos quais as vítimas não podem gozar.
Somente para termos uma ideia, a população prisional total do Estado de São Paulo era, em Dezembro de 2009, de 163.915 pessoas, sendo que 20.701 delas são beneficiárias do regime semiaberto, segundo dados do Ministério da Justiça. Temos que conviver com essas pessoas sem saber quem são e se estão prontas para respeitarem a legislação. Sem falar nos presos que são liberados para curtirem festividades, como por exemplo, o natal, data em que nós, cidadãos que respeitam as leis, deveríamos comemorar, e não temer. Somente no Estado de São Paulo, aproximadamente 23 mil detentos se beneficiaram com o indulto de natal de 2011.
Se isso te parece assustador, lembramos a questão da maioridade penal, que atualmente é de 18 anos. Vemos crianças de 8, 10 anos já cometendo crimes. Quem será essa pessoa aos 18? Um reincidente do crime, alguém que sabe o que faz e com experiência. Como recuperar alguém que desde cedo foi incentivado pelos colegas de profissão a ajudá-los em seus crimes para que não sofressem as penalidades atribuídas aos maiores, já que aos menores as consequências – quando existem – são mais brandas?
O objetivo aqui não é gerar polêmica, apenas mostrar que o sistema penal não atua em nosso favor, nós que o sustentamos com a absurda carga tributária que pagamos aos cofres públicos.
O objetivo é também mostrar que boa parte dos que estão cometendo crimes, hoje, os fazem por profissão, por vocação, já possuem experiência e nenhum receio de ingressarem novamente no nosso sistema penitenciário.


Há algumas décadas, ainda quando a internet e os celulares não haviam tomado o mundo, o cidadão se ocupava de suas realidades locais. A melhoria dessas realidades estava diretamente ligada à sua atuação na solução dos problemas.
A globalização e a velocidade e abrangência da informação causam sérios problemas com relação à capacidade de ação do indivíduo comum. De forma resumida, passa a perceber não somente os problemas locais, mas sim a dimensão dos problemas mundiais. Frente a problemas tão grandes, muitas vezes se vê incapaz de tomar alguma ação que faça diferença, o que resulta, em muitos casos, em inação pelo indivíduo. Afinal, o que podemos fazer para impedir guerras no mundo? O que podemos fazer para acabar com a fome no mundo? E assim, vamos nos diminuindo em relação a esses gigantes insolúveis que nem mesmo as forças governamentais conseguem combater.
Resultado: deixamos de lado também a nossa segurança. Paramos de brigar por coisa alguma, apenas nos submetemos. Nos casos de violência, porém, estamos nos propondo à submissão a pessoas sem moral, sem caráter e sem limites, e tenho certeza de nenhum de nós realmente deseja isso.
Precisamos reverter esse quadro, sendo mais ativos por onde passamos, em nossos bairros, em nossas escolas e com as nossas famílias.


Com o avanço tecnológico, muitas melhorias à qualidade de vida foram realizadas. A medicina aumentou a nossa expectativa de vida, os meios de comunicação nos deram acesso mais rápido e mais aberto a qualquer informação, expandindo assim o nosso conhecimento, os meios de locomoção nos ligaram até aos cantos mais remotos do mundo, enfim, uma série de benefícios foi gerada.
Infelizmente, porém, nem todos os avanços são utilizados de forma positiva. O uso indevido da internet, por exemplo, propiciou o afastamento das pessoas e a perda do convívio social, gerando o que o sociólogo Zygmunt Bauman chama de “fragilidade dos laços” em tempos de “modernidade líquida”. Isso significa que os laços estão cada vez mais voláteis, menos profundos. O indivíduo se isolou em seus perfis de redes sociais virtuais, em seus avatares e em sua “second life”, vivendo de forma “segura” dentro de um quarto com portas fechadas.
Qual é o problema disso? O problema está no fato de que, nesse cenário, o indivíduo se vê menos – ou nada – responsável pelo próximo, já que seu isolado universo se resume a ele próprio. E em nossa sociedade competitiva, na qual o indivíduo é uma ameaça à obtenção do sucesso do seu concorrente, o individualismo está crescendo e, consequentemente, a vida do outro está perdendo o seu valor.
Somando isso ao elevado número de notícias de crimes bárbaros que recebemos todos os dias, estamos nos acostumando com a ideia de que isso é normal, e num futuro próximo talvez todos tenhamos a sensação de que sempre foi assim. Não nos chocamos mais quando pais arremessam seus filhos pela janela de suas casas, nem quando pais são brutalmente assassinados por aqueles a quem dedicaram suas vidas. Esse processo de banalização de tão graves acontecimentos se dá de forma inconsciente com o intuito de tornar mais fácil para o indivíduo lidar com uma realidade que lhe é hostil, na tentativa de negá-la, como se criasse dois mundos distintos nos quais os conflitos de um não se tornam parte do outro, desobrigando-o, assim, do enfrentamento destas perturbações que poderiam torna-lo mais frágil emocionalmente.  


Nesse alucinante ritmo de vida, em que não temos tempo para nada – sempre a desculpa do tempo – não temos mais refúgios para aliviarmos a tensão gerada. Estamos conectados todo o tempo com os nossos celulares, e-mails, trabalho excessivo e rotinas cada vez mais penosas para mantermos o nosso padrão de vida. É aí que surge o stress e a predisposição ao conflito. As pessoas estão menos tolerantes e mais violentas, seja essa violência demonstrada somente no trânsito ou no vício, seja demonstrada em atos cruéis de violência ao próximo. A violência é hoje a nossa válvula de escape.


Há os que ainda pensam que a necessidade é o principal objetivo de quem comete crimes. O que vemos, porém, é uma realidade completamente diferente, na qual crimes são cometidos apenas pelo prazer de cometê-los, por pura diversão, entre outros motivos.
Um Juiz de Direito mata em frente às câmeras um segurança de um mercado apenas por que o funcionário, fazendo o seu papel, alertou essa grande figura do Direito que já havia passado do horário de fechamento do estabelecimento.
Um Índio é queimado por um grupo de jovens, filhos de pessoas influentes, por engano: o grupo alegou quererem queimar não o Índio, mas sim um mendigo – não entendi até hoje qual é a diferença, pois não entendo como um mendigo pode ter menos valor do que um índio ou qualquer outro indivíduo.
Pessoas de classe média alta organizam quadrilhas para o tráfico de drogas. Mortes em brigas de trânsito. Homossexuais são espancados até a morte. Netos assassinam suas avós para sustentarem seus vícios em drogas. Crianças são esfoladas vivas ao serem arrastadas por quilômetros após assalto a carros.
Boa parte dos crimes hoje não tem mais objetivos do que a pura demonstração de maldade. Como podemos saber então quando vamos ser vítimas de algum desses psicopatas? Sair sem dinheiro, sem bolsa, sem joias de casa já não garante nada. Não comprar carros e casas que chamam a atenção tampouco. Como falado anteriormente, o crime não tem mais cara – se é que um dia teve – nem hora nem lugar.


Como não bastassem os outros inúmeros fatores contribuintes para o aumento da criminalidade, temos agora que lidar com criminosos viciados em drogas estimulantes e extremamente poderosas, sendo o crack uma das piores. As drogas são, hoje, muito acessíveis e baratas, e promovem grandes alterações no comportamento do criminoso.
Este se torna imprevisível, inconsequente e incontrolável. Fará de tudo, tudo mesmo, para continuar consumindo suas drogas. Sob o efeito desses estimulantes não tem medo, não sente remorso e não possui qualquer outro objetivo senão aplacar a dor do vício.
As autoridades não são capazes de lidar com eles, e uma prova disso foi a “cracolândia” na cidade de São Paulo, que existiu por anos antes de ser desmantelada, fato que ocorreu somente no início de 2012. Não são capazes tampouco de impedirem o tráfico de drogas, basta lembrarmos os episódios em que traficantes caçaram policiais e fizeram o comércio parar.
As leis não são rígidas com os usuários de drogas, muito menos se forem menores de idade. Quando são presos, permanecem por pouco tempo atrás das grades e são liberados antes de terem que lidar com a dependência química.
A consequência disso é trágica: não há estudos que possam nos orientar sobre como nos portarmos diante de um criminoso entorpecido pelas drogas, e sair vivo de uma situação dessas é uma loteria.

Resumindo todo o conteúdo discutido nessa seção, temos motivos mais do que suficientes para nos preocuparmos com a nossa segurança. Estamos em perigo. Precisamos acordar para essa realidade e nos preparar para dar um basta a essa onda de violência desumana, nem que seja somente diminuindo nossa exposição a ela.

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