terça-feira, 24 de março de 2015

A Justiça como Resultado do Medo da Punição

Escrito pelo Diretor do Grupo Projetar Roberto Guimarães.

Para Platão, a questão da Justiça não está fundamentada no medo da punição, levando em conta que o medo é uma paixão e a justiça não poderia, de acordo com seu pensamento, estar fundamentada na paixão. É principalmente o controle das paixões que Platão, em A República, aponta como uma necessidade para que se possa viver em uma sociedade justa, de forma que cada coisa possa ocupar o seu lugar e possuir aquilo que lhe corresponde. O elemento "apetitivo" do Estado deveria ser regulado pelo elemento "racional", que seriam aqueles que se destacassem dentre os que fossem submetidos à educação proposta por ele, por possuírem o entendimento dos valores, como pré-requisito para sua aplicação, e viessem a se tornar governantes. Portanto, apesar de não fundamentar a justiça no medo da punição, ele já dava sinais de que os seres humanos, no que diz respeito à capacidade para entender conceitos e à disposição para seguir regras, estariam divididos entre aqueles que são capazes de entender o conceito e aqueles que não o são. Dentre aqueles que são capazes, ainda há aqueles que se negam a praticar a justiça e os que a praticam condicionalmente. Para os casos em que não há disposição e ou esclarecimento, ele previa o uso do elemento "irascível" para conter os desvios, ou seja, previa o uso da força.
José Ingenieros, em o Homem Medíocre, divide a humanidade em cinco tipos, que dependem do grau de desenvolvimento do indivíduo através dos estágios de “alma da espécie”, “alma da sociedade” e “alma individual”. A alma da espécie é aquela que responde aos instintos, e aquele que ali permanece pode ser comparado com um animal humano, tornando-se um “idiota” ou “inferior”. A alma da sociedade é aquela de origem imitativa e que se transmite com o convívio. Aqueles que se dispõe a ela, mas não a ultrapassam, são os “medíocres”. A alma individual é aquela que adquire características próprias e forma a personalidade individual, e os que a atingem são os “talentosos” e os “gênios”. Segundo ele, “Em seu estado embrionário, o amor próprio revela-se como desejo de elogios e temor de censuras”. Com base nisso, demonstra que a grande maioria dos homens, os medíocres, se guiará pelo que for aceito pela maioria, seja motivados por medo ou por glória, uma vez que não possuem firmeza de caráter para estabelecer seus próprios conceitos ou, mesmo que os estabeleça, para defendê-los. Tenderá a seguir, portanto, aquilo que estiver estabelecido nas leis e nos costumes. Os idiotas e os inferiores morais são os que cederiam, ou tenderiam a ceder, por ignorância ou incapacidade, aos impulsos mesmo conscientes da violação de alguma regra moral ou lei, a não ser que alguma força externa ou a perspectiva da punição os detivesse. Os gênios e talentosos morais, por outro lado, são aqueles que entendem o significado de justiça e possuem a capacidade de compreender seus benefícios para o bem comum, tendendo a segui-los, mesmo apesar das consequências negativas.
Aqui se verifica a necessidade de esclarecer um problema conceitual: a própria definição de justiça. Conforme explica Thomas Hobbes, em O Leviatã, a justiça somente é possível em um estado civil, pois aquilo que é justo, ou não, somente pode ser definido a partir do estabelecimento de regras de convívio, pois antes disso prevalece o estado de natureza, e o direito de natureza é o direito a todas as coisas. E afirma também que justo é aquilo que corresponde ao estabelecido pelo soberano no exercício de seu domínio e em nome da manutenção da paz ou de sua busca. Temos hoje, porém, a sensação de que muitas leis não são justas, assim como os costumes. O medíocre de Ingenieros atuará de acordo com os princípios estabelecidos e, portanto, poderá se dizer justo segundo o conceito de Hobbes. Mas o gênio e o talentoso, ao reconhecerem leis e costumes que violam ou contradizem sua ideia de Bom, lutarão contra, em alguns casos arriscando a própria liberdade ou a vida. São estes injustos quando procuram a justiça pela violação daquelas leis e costumes que visivelmente beneficiam os dominantes e oprimem a sociedade? Vemos o caso de Henry Thoreau, que foi preso por não pagar impostos, pois não queria contribuir com o injusto Estado de escravidão e guerra em que viveu e que se instituiu sobre as premissas de liberdade e igualdade. Como pensar em adequação à justiça em um Estado injusto, se é que é possível defini-lo como tal?

Então, para concluir: considerando que podemos encontrar uma grande variedade de motivações que impelem os indivíduos a serem justos, quando o conceito de justiça está vinculado ao cumprimento das leis ou à adesão aos costumes ditados pelo soberano, acredito que a justiça se dê, na maioria dos casos, por medo da punição ou coação social, quando há. Essa crença é explicada pelo fato de que as questões coletivas não são prioridade em nossa realidade individualista, motivada pela competitividade e desprovida de limites morais. Sendo assim, o exercício da justiça, exceto para o que é passível de punição, não é valorizado nem vantajoso aos olhos do individualismo dominante. Se não oferecemos esclarecimento conceitual e estímulo à prática, como pensar em justiça senão por receio das consequências de não exercê-la?

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