terça-feira, 24 de março de 2015

Artes Marciais e Defesa Pessoal

Escrito pelo Diretor do Grupo Projetar Roberto Guimarães.

As Artes Marciais são constantemente procuradas por pessoas que desejam possuir conhecimentos de combate com o intuito de saberem se “defender na rua”, caso alguma situação de violência se apresente e a integridade física seja ameaçada. Essas pessoas entram em uma academia e perguntam: aqui vocês ensinam defesa pessoal? E a resposta que encontram é, normalmente, sim, ensinamos. Por isso senti a necessidade de abordar esse tópico, pois arte marcial e defesa pessoal são disciplinas completamente distintas tanto na forma quanto no escopo, e a confusão desses conceitos pode induzir um praticante de artes marciais a agir de forma errônea e fazê-lo arcar com consequências irreversíveis.

Antigamente, quando os sistemas de combate eram ensinados para aplicação prática, em guerras ou outros conflitos, o preparo técnico vinha a contribuir para a efetividade combativa dos praticantes. Esses indivíduos, porém, eram preparados para a violência não somente pela disciplina marcial, mas pela noção de que o que aprenderiam seria realmente utilizado para tais fins. Enfrentar a guerra ou o conflito, portanto,não era questão de opção, mas uma obrigatoriedade para aqueles que viviam essas realidades violentas.

As técnicas de quase a totalidade das artes marciais atuais são adaptações das disciplinas de combate antigas para se enquadrarem aos propósitos educacionais e de desenvolvimento pessoal. Portanto, todas elas possuem um sistema técnico aplicável ou facilmente adaptável para a defesa pessoal, afinal todas elas ensinam o indivíduo a se defender. Alguns desses sistemas ficaram mais conhecidos do que outros, de acordo com a forma como foram divulgados para a população,de acordo com o seu grau de utilização por forças armadas e outras forças especiais ou de acordo com sua eficiência em subjugar o oponente em situações reais de luta corporal.
Mas então o que diferencia a arte marcial da defesa pessoal quando falamos de situações reais de violência?

A mentalidade.

Se a finalidade principal das artes marciais é a evolução pessoal, por melhores conhecimentos técnicos que possam oferecer, elas não preparam mentalmente para o combate real. As academias que promovem determinada modalidade com o enfoque esportivo, para a utilização em campeonatos, por exemplo, por mais que produzam atletas com alto grau de controle de suas técnicas, não podem garantir o mesmo controle emocional nas situações em que a luta se apresenta em uma disputa por medalhas e nas que se apresenta em condições não controladas, não regidas por regras, em uma disputa pela vida.
As academias que promovem aulas de defesa pessoal, se baseando apenas no fato de que suas disciplinas contemplam técnicas utilizadas por forças armadas e forças policiais, têm a obrigação de esclarecer ao praticante as diferenças entre aprender tal modalidade e estar pronto para a violência e suas consequências. O fato de uma modalidade ser ensinada às forças armadas e à polícia diz apenas que ela possui um conjunto técnico reconhecidamente eficiente por esses profissionais de segurança, mas de forma alguma garante, ao aluno que a pratica, a mesma eficiência na utilização.
Assim como os guerreiros antigos,os profissionais de segurança se deparam constantemente com a violência em situações de vida e morte, e esse contato direto os faz desenvolver uma mentalidade bastante realista sobre o que esses confrontos representam. Portanto,a eficiência de seus combates não é regida pela técnica aprendida, mas pela atitude desenvolvida na profissão. Por mais que o aluno comum pratique as técnicas de qualquer modalidade extraordinária, a sua atitude não se desenvolverá da mesma maneira, e poderá criar a ilusão de que as técnicas resolvemo problema da violência e o tornam imune a ela.
O que quero salientar é: o artista marcial aprende a causar dano, sabe como se defender de ataques, e possui um corpo preparado para o combate, mas sua mente não se torna automaticamente pronta para a violência. Supondo que, em uma situação real, areação se faça necessária, o artista marcial provavelmente terá mais chances de ser bem sucedido do que um cidadão comum, não possuidor de habilidades combativas. Mas provavelmente, também, nas situações em que o risco de morte ainda não está estabelecido, o cidadão comum correrá menos riscos de uma reação infrutífera do que o artista marcial.
Se mal direcionada por professores irresponsáveis, a autoconfiança que a prática das artes marciais promove pode levar o indivíduo a se descuidar das atitudes preventivas e, comisso, aumentar as chances de ser abordado. Essa mesma autoconfiança pode induzir o praticante a uma reação desnecessária, elevando o risco de morte em uma situação que poderia ser contornada de outra maneira.
Isso não quer dizer que sou a favor da posição expressa pelos meios de comunicação de que não devemos reagir nunca, mas acredito que a segurança se faz principalmente pelas atitudes preventivas, que diminuem as chances de uma abordagem por reduzirem a exposição do indivíduo. A reação não traz segurança, apenas devolve a chance de defendera integridade e a vida quando os riscos de perdê-las se apresentam altos. Mas,se pensarmos bem, perder a vida não é o maior problema de uma vítima, mas lidar com todos os prejuízos emocionais e as possíveis consequências psíquicas, como os traumas que em muitos casos são carregados até o final de seus dias. 
O desejável é, portanto, não ter que lidar com o conflito, mas, mesmo atuando preventivamente, ele pode acontecer. Nesse momento, a vítima possui apenas duas opções: reagir ou se submeter. Para decidir entre a reação ou a submissão, é necessário refletir antecipadamente sobre uma série de fatores, como, por exemplo, o grau de risco em cada situação de violência, as possibilidades e os planos de ação nos mais variados cenários, os limites de violência aos quais é capaz de se submeter, as ações que é capaz de executar, as prioridades que tem, e etc. Para que reagir a um assalto a mão armada no qual o único que está sendo solicitado é o relógio?Mas, se o bandido quiser violentar um familiar, seria aceitável se submeter?  Se desarmar o agressor, conseguiria atirar mesmo com o risco de mata-lo? Por mais que alguns digam o contrário, nenhuma aula regular de artes marciais vai ajudar no estabelecimento dos parâmetros estabelecidos acima, e que, como se pode ver, não estão relacionados à técnica,mas sim à mentalidade.
O que mais assusta, porém, é perceber que muitos dos ensinam não possuem essa consciência, e estão apresentam livremente técnicas de defesa pessoal, sem qualquer tipo de alerta sobre os riscos. Já testemunhei casos em que as técnicas de desarmes contra facas, por exemplo, eram ensinadas a alunos recém-chegados, sem que nenhuma orientação adicional fosse dada. Esses alunos poderão acreditar que o que aprenderam é suficiente para reverter um assalto em que o bandido lhes apresenta uma faca,uma das armas mais perigosas e difíceis de controlar e desarmar. Assim, aumentarão as chances de optarem pelo combate como forma de resolver o conflito, e, uma situação que poderia lhes custar apenas a carteira com alguns reais e um punhado de documentos, talvez lhes tire a vida.
Uma das artes marciais que ensino possui um grande acervo de técnicas de defesa pessoal como parte dos programas de graduação. Em nossas academias, as do Grupo Projetar, transmitimos tais técnicas somente aos alunos mais avançados, mas sempre salientando que isso não os torna aptos a utilizarem-nas durante uma reação. O objetivo é sempre o desenvolvimento da coordenação e da atitude marcial, não o confronto com a violência nas ruas. Se algum interessado se apresenta para as aulas, com o intuito de se preparar para as situações reais, alertamos sobre o conflito entre suas expectativas e os objetivos das práticas marciais, mesmo com o risco de que não se interesse e se vá. Não queremos para nós a responsabilidade sobre a morte ou sobre os danos sofridos por alunos mal instruídos, e por isso preferimos não iludi-los.
Em nossos cursos de segurança,que nada têm a ver com as aulas regulares de artes marciais, a mentalidade preventiva é o foco. Apresentamos o cenário da violência, os índices da criminalidade e um método para adotar atitudes preventivas no cotidiano. Desencorajamos,ao máximo, o cidadão ao conflito, mostrando que as consequências de uma tentativa de reação são exclusivamente daquele que reage. Quando apresentamos as técnicas, o fazemos com o intuito de conscientizar o indivíduo sobre as suas potencialidades físicas. Conhecendo os seus limites, não tentará reações baseadas na fantasia que possui sobre um combate real no qual não pode falhar.  Discutimos também todos os parâmetros sobre os quais deve refletir e estabelecer limites antecipadamente, para que a reação,caso seja a última ferramenta, tenha chances de ser bem sucedida. Esclareço que quando falamos em reação, estamos falando de todas as ações necessárias para tornar a fuga possível, evitando o prolongamento dos combates corporais contra os agressores.
O que ensinamos de mais importante, porém, é: nenhum curso pode preparar o cidadão para a violência a que está exposto. Pode, no máximo, despertar para a necessidade de encarar os riscos como parte da vida, e submeter o indivíduo a um processo de conscientização.Quando se trata de segurança, não há fórmulas mágicas, e aquele que prometer o contrário, provavelmente, o estará fazendo em vão.

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