terça-feira, 26 de maio de 2015

Eu preciso de Terapia?

Artigo escrito pelo Diretor do Grupo Projetar Roberto Guimarães.

(Enfoque psicanalítico)

A psicologia clínica é ainda mal compreendida por muitos indivíduos, e isso resulta em discursos errôneos sobre o que é o processo terapêutico e em boicotes por parte dos pacientes, dos parentes e pessoas próximas, envolvidas direta ou indiretamente no cotidiano daqueles que estão em tratamento. O artigo abaixo visa esclarecer alguns tópicos referentes a tal processo.

Para que serve?

O processo psicoterapêutico, comumente denominado terapia, visa melhorar a qualidade de vida do indivíduo ao possibilitar o entendimento e auxiliar na solução de aflições, perturbações e desequilíbrios psíquicos do paciente. Muitos desses desequilíbrios geram profundas alterações no funcionamento do organismo e afetam o bem-estar. Na terapia, são abordados com a finalidade de reduzir ou eliminar os prejuízos emocionais que causam no indivíduo.

Para quem serve?

Diferentemente do que muitos leigos concebem, a terapia não é somente para loucos ou para aqueles que “fracassaram” em resolver seus problemas sozinhos. Tais pensamentos ainda afastam muitos indivíduos das clínicas de atendimento psicológico, e constituem sério preconceito e ignorância sobre o assunto. Na sociedade competitiva em que vivemos, demonstrar fraqueza emocional é visto como um risco, e isso também alimenta a ideia de que não devemos procurar ajuda quando estamos nos sentindo fragilizados.

Mas, podemos ver que as aflições emocionais são muito comuns na sociedade atual, e os índices de distúrbios estão aumentando significativamente. Entre eles, os mais comuns são o estresse, o burnout (estresse relacionado ao trabalho), a depressão, os transtornos de ansiedade, e etc. E boa parte desses transtornos não são, pela maioria das pessoas, solucionáveis sem acompanhamento psicoterapêutico. Isso porque a nossa consciência tende a distorcer a realidade para nos proteger e manter a nossa psique o mais estável possível. Isso quer dizer que, com frequência, assumimos inconscientemente percepções parciais, ou errôneas, da realidade sempre que ela ofenda ou prejudique nossa consciência, e, com isso, dificilmente conseguimos identificar as raízes dos problemas que nos afligem.
Um exemplo bastante claro é a Síndrome de Estocolmo. Um indivíduo, por exemplo, é sequestrado, e sofre durante dias o perigo de morte em seu cativeiro. Essa carga emocional, se absorvida conscientemente, seria traumática e poderia alterar completamente o funcionamento do cérebro. Assim, o corpo reage com medidas protetivas da psique, criando inconscientemente uma identificação com o agressor. O resultado é a visão, por parte da vítima, de um agressor bonzinho, que não lhe faria mal, e etc., diminuindo, desta forma, a percepção do risco a que foi exposta.
Mecanismos de proteção como este atuam frequentemente e sem que tomemos consciência disso. Assim como o corpo possui sistemas de defesa tais como os glóbulos brancos e os anticorpos que defendem o organismo de doenças físicas, sem a necessidade de comando consciente, possui também sistemas de defesa psíquicos. Porém, a carga emocional excedente e que não pôde ser processada fica recalcada no inconsciente e é direcionada para outras áreas da psique, como aquelas que compõem a autoestima, ou as que são afetadas pelos medos, e etc. Assim, uma insatisfação declarada pelo paciente pode ter origem em eventos não relacionados diretamente com a queixa. E, novamente, para se chegar à raiz do problema, o acompanhamento psicoterapêutico é fundamental.
Resumindo: todo mundo, em qualquer idade, pode buscar o auxílio de um Psicólogo.

Isso também é Terapia?

É comum ouvirmos: “fazer artesanato é uma terapia”, ou “o meu cabelereiro é meu terapeuta”, ou ainda “minha mãe é minha psicóloga”. Nenhum dos casos acima representa o que acontece na terapia realizada por um Psicólogo capacitado.
Fazer uma atividade prazerosa é uma forma de sublimar cargas emocionais, ou higienizar a mente. Isso quer dizer que, por exemplo, diante de um trabalho estressante, a minha psique pode ter sido sobrecarregada de aspectos negativos e que podem desequilibrar o campo emocional. Ao fazer algo que dá prazer, “descarrego” parte dessas cargas negativas. Mas nunca poderei resolver as raízes do problema que tenho em relação ao trabalho – a insatisfação e as frustrações geradas ali – por meio de atividades secundárias, por melhor que elas sejam. Assim, toda ação que proporciona a sublimação pode ajudar, mas não deve ser tomada como solução.
Quanto aos indivíduos com quem nos sentimos à vontade para expor nossas intimidades e desabafar: devemos ter em mente que tais pessoas não dispõem de recursos técnicos, tão pouco conhecem a ciência por detrás dos processos psíquicos. Não dispõem, portanto, de ferramentas para reduzir as nossas defesas psíquicas e chegar ao cerne das questões, não ultrapassando a superfície dos problemas relatados.
Outra limitação dos ouvintes é que não foram treinados para serem imparciais e evitarem apreciações, ou julgamentos, sobre aquilo que é falado. Somente o fato de o indivíduo que desabafa saber que tal julgamento pode e provavelmente vai acontecer já é motivo suficiente para reforçar as defesas, impedindo-se de se aproximar da origem do problema. Se o cérebro “esconde” de nós aspectos da realidade, isso se deve à dificuldade de aceitação desses aspectos. E a possibilidade de apreciação por parte de terceiros somente pode inibir ainda mais o indivíduo ao relatar suas queixas. O resultado é a distorção dos relatos e a fuga da realidade que tenta inconscientemente esconder.
Por que então falar com alguém alivia? Por que podemos, através da fala, vivenciar emoções. Ao tocar em determinados assuntos podemos reduzir cargas de raiva, angústia, e etc. Além disso, compartilhar pensamentos torna tais conteúdos mais palpáveis para análise, facilitando o processamento dos parâmetros que nos guiam em nossas decisões, o que alivia a tensão emocional. E, quando encontramos aceitação de tais pensamentos, também isso reflete na autoestima, já que a aceitação por parte de terceiros torna os pensamentos mais aceitáveis para nós mesmos. Entretanto, apesar dos benefícios que essas conversas podem gerar, não podem, sem erro, ser consideradas processos terapêuticos.

Como funciona a Terapia?

O Psicólogo não é alguém que somente senta e ouve queixas, como muitos podem conceber. Ele é um profissional que analisa os conteúdos, não para apreciação moral, mas para, a partir deles, encaminhar o paciente, através de intervenções, ao que a psicanálise chama de Insight. O Insight é a constatação das raízes de determinada queixa, ou seja, o momento em que determinada causa deixa de ser retida no inconsciente e se torna consciente. Sua vivência permite o entendimento, a conscientização e consequentemente o alívio de determinadas questões psicológicas.
Chegar ao Insight não é fácil, pois as barreiras psíquicas estão constantemente atuando para esconder conteúdos. Inicialmente o Psicólogo conduz a conversa, de acordo com o que o paciente propõe, com o intuito de detectar incoerências, desconexões e negações irrefletidas nos relatos. Um ouvido apurado, que não se deixe seduzir pela conversa, é fundamental. Assim como é fundamental que o Psicólogo não seja familiar ou se torne amigo do paciente, pois a neutralidade e a percepção dessa neutralidade por parte do paciente são fundamentais. Afinal não é função do Psicólogo emitir julgamentos, mas permitir ao paciente o entendimento daquilo que o faz sofrer.
Quando, então, o paciente se conscientiza amplamente do problema e de suas fontes, ou seja, quando sabe nomear realmente qual é a causa de seu sofrimento, pode elaborar planos para sua solução. Aí entra também outra função do Psicólogo: ajudar o paciente a estabelecer as bases emocionais que o permitam agir. Por exemplo, não basta somente descobrir que o trabalho é a origem das aflições do paciente, pois nem sempre a conscientização resulta em ação para a mudança. O paciente, através da relação terapêutica, vai se encorajando para tal mudança, qualquer que seja ela. Pode, por exemplo, mudar de emprego, ou melhorar as relações no ambiente de trabalho, ou alterar a carga à qual está disposto a submeter-se, e etc. Quem vai decidir o melhor caminho é o paciente, pois não é função do Psicólogo tomar decisões por ele. Enfim, o Psicólogo ajuda o paciente a tornar-se quem ele realmente é, e não quem a sociedade espera que ele seja. Somente assim o paciente poderá se realizar como pessoa.

O boicote ao processo psicoterapêutico

Muitos indivíduos, quando começam a terapia, percebem a necessidade de entrar em contato com seus conteúdos emocionais para evoluir no processo. Como falado anteriormente, tais conteúdos estão, em sua maioria, retidos no inconsciente. Ao longo do processo, o paciente pode vir a perceber a proximidade da conscientização de fatos que provocaram dor, angústia e etc., e por isso foram recalcados no inconsciente. Assim, algumas pessoas podem boicotar, consciente ou inconscientemente, o processo com o intuito de continuar se afastando daquilo que lhe causa prejuízos emocionais. Podem, por exemplo, assumir desculpas que os levem a interromper a terapia, como a falta de tempo ou a falta de condições financeiras.
Vejamos o seguinte exemplo: um indivíduo sente atração física por pessoas do mesmo sexo, mas nasceu em um ambiente que repudia a homo afetividade, classificando-a como uma falha no caráter, ou uma perversão, ou uma escolha imoral imperdoável, e etc. Como sua sexualidade não pode ser vivida completamente, apresenta outros problemas em seu comportamento, tais como agressividade, ou submissão punitiva, ou afastamento da sociedade, ou paranoia por medo de ser descoberto, e etc. Procura a terapia com a queixa de que seu comportamento está afetando seu trabalho, ou seus laços familiares, e etc. Quando se desenrola o processo, percebe que a restrição em sua sexualidade, não assumida e que continua a negar, é a raiz de todos os desvios que apresenta e que o levaram a buscar a terapia. Para melhorar suas aflições, entende a necessidade de se assumir completamente. É em momentos como esse que começam os boicotes, muitos deles movidos pelo medo da nova condição e de suas consequências externas.
Há também boicotes que se dão pelas pessoas relacionadas ao paciente, principalmente cônjuges e familiares, devido ao medo das mudanças no paciente, que podem afetá-los direta ou indiretamente. Esses boicotes se dão, em parte, através de processos inconscientes. Por exemplo, pais que são superprotetores e alimentam uma relação de dependência dos filhos podem boicotar a terapia assim que eles comecem a se mostrar mais autônomos, ou independentes, como resultado do processo. Maridos ou esposas podem boicotar a terapia com o medo de que o Psicólogo cause uma separação em um relacionamento que não está saudável para os pacientes. Outros medos podem levar aos boicotes, como o medo por parte dos pais de perderem o controle dos filhos, expresso por meio de comentários tais como “o que você vai falar com seu Psicólogo que não pode falar para mim?”; ou o medo dos cônjuges de serem expostos e taxados como vilões no relacionamento, expresso através de comentários como “mas o Psicólogo só vai ouvir a sua versão e não a verdade”.
Em relação a isso, três coisas devem ser lembradas: primeira, não é o Psicólogo que promove as mudanças objetivas, mas sim o próprio paciente que percebe a necessidade de mudar para viver uma vida mais completa, mais saudável e equilibrada. Segunda, o boicote ao processo terapêutico é uma covardia, uma vontade egoísta de que o outro a quem se diz amar – filho, cônjuge, amigo, funcionário, etc. – se mantenha prisioneiro de suas aflições e não possa, como consequência, alterar as condições nas quais se encontram os relacionamentos. Terceira, não interessa ao Psicólogo a verdade sobre os fatos, mas como o paciente enxerga e sente tais verdades. Se o paciente acredita que o cônjuge é vilão do relacionamento, é a partir desse sofrimento que o Psicólogo irá basear suas análises, o que não quer dizer que embasará e assumirá como verdade tal alegação. O Psicólogo não atua para formar conluios com o paciente contra ninguém.

Conclusão

O acompanhamento psicológico é de extrema importância na sociedade atual, pois em uma época em que tudo é instantâneo e imediato, não damos tempo nem temos vontade de lidar com o peso daquilo que ficou para trás, que não é mais parte do presente. Mas é justamente nosso histórico que nos torna aquilo que somos hoje e oferece as bases de quem seremos amanhã. Se há muitos fatos mal resolvidos no campo emocional, todas as vivências futuras serão abaladas e prejudicadas.
Por mais que tentemos, não podemos nem devemos deter nossos pensamentos e sentimentos, afinal, não conseguimos fugir de nós mesmos. Isso apenas alimenta o autoengano e a fragmentação interna. E não há vida boa em estado de desintegração, ou seja, em discordância entre nosso “eu” social e o nosso “eu” real. Como este último não cessa sua busca por brechas através das quais possa florescer, tentar impedi-lo somente pode causar sofrimento.
Descubramo-nos sem medo do que podemos encontrar. E, para isso, podemos todos contar com a terapia. É, às vezes, um longo ou, eventualmente, um “doloroso” processo, mas entendamo-lo como um meio para atingir um fim: equilíbrio emocional, um dos pré-requisitos para a felicidade.

Boa terapia a todos!

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