Artigo escrito pelo Diretor do Grupo Projetar Roberto Guimarães.
(Enfoque psicanalítico)
A psicologia clínica é ainda mal
compreendida por muitos indivíduos, e isso resulta em discursos errôneos sobre
o que é o processo terapêutico e em boicotes por parte dos pacientes, dos
parentes e pessoas próximas, envolvidas direta ou indiretamente no cotidiano
daqueles que estão em tratamento. O artigo abaixo visa esclarecer alguns
tópicos referentes a tal processo.
O processo psicoterapêutico,
comumente denominado terapia, visa melhorar a qualidade de vida do indivíduo
ao possibilitar o entendimento e auxiliar na solução de aflições, perturbações
e desequilíbrios psíquicos do paciente. Muitos desses desequilíbrios geram
profundas alterações no funcionamento do organismo e afetam o bem-estar. Na
terapia, são abordados com a finalidade de reduzir ou eliminar os prejuízos
emocionais que causam no indivíduo.
Para quem serve?
Diferentemente do que muitos
leigos concebem, a terapia não é somente para loucos ou para aqueles que
“fracassaram” em resolver seus problemas sozinhos. Tais pensamentos ainda
afastam muitos indivíduos das clínicas de atendimento psicológico, e constituem
sério preconceito e ignorância sobre o assunto. Na sociedade competitiva em que
vivemos, demonstrar fraqueza emocional é visto como um risco, e isso também
alimenta a ideia de que não devemos procurar ajuda quando estamos nos sentindo
fragilizados.
Mas, podemos ver que as aflições
emocionais são muito comuns na sociedade atual, e os índices de distúrbios
estão aumentando significativamente. Entre eles, os mais comuns são o estresse,
o burnout (estresse relacionado ao trabalho), a depressão, os transtornos de
ansiedade, e etc. E boa parte desses transtornos não são, pela maioria das
pessoas, solucionáveis sem acompanhamento psicoterapêutico. Isso porque a nossa
consciência tende a distorcer a realidade para nos proteger e manter a nossa
psique o mais estável possível. Isso quer dizer que, com frequência, assumimos
inconscientemente percepções parciais, ou errôneas, da realidade sempre que ela
ofenda ou prejudique nossa consciência, e, com isso, dificilmente conseguimos
identificar as raízes dos problemas que nos afligem.
Um exemplo bastante claro é a
Síndrome de Estocolmo. Um indivíduo, por exemplo, é sequestrado, e sofre durante
dias o perigo de morte em seu cativeiro. Essa carga emocional, se absorvida
conscientemente, seria traumática e poderia alterar completamente o
funcionamento do cérebro. Assim, o corpo reage com medidas protetivas da
psique, criando inconscientemente uma identificação com o agressor. O resultado
é a visão, por parte da vítima, de um agressor bonzinho, que não lhe faria mal,
e etc., diminuindo, desta forma, a percepção do risco a que foi exposta.
Mecanismos de proteção como este atuam
frequentemente e sem que tomemos consciência disso. Assim como o corpo possui
sistemas de defesa tais como os glóbulos brancos e os anticorpos que defendem o
organismo de doenças físicas, sem a necessidade de comando consciente, possui
também sistemas de defesa psíquicos. Porém, a carga emocional excedente e que
não pôde ser processada fica recalcada no inconsciente e é direcionada para
outras áreas da psique, como aquelas que compõem a autoestima, ou as que são
afetadas pelos medos, e etc. Assim, uma insatisfação declarada pelo paciente
pode ter origem em eventos não relacionados diretamente com a queixa. E,
novamente, para se chegar à raiz do problema, o acompanhamento psicoterapêutico
é fundamental.
Resumindo: todo mundo, em
qualquer idade, pode buscar o auxílio de um Psicólogo.
Isso também é Terapia?
É comum ouvirmos: “fazer
artesanato é uma terapia”, ou “o meu cabelereiro é meu terapeuta”, ou ainda
“minha mãe é minha psicóloga”. Nenhum dos casos acima representa o que acontece
na terapia realizada por um Psicólogo capacitado.
Fazer uma atividade prazerosa é
uma forma de sublimar cargas emocionais, ou higienizar a mente. Isso quer dizer
que, por exemplo, diante de um trabalho estressante, a minha psique pode ter sido
sobrecarregada de aspectos negativos e que podem desequilibrar o campo
emocional. Ao fazer algo que dá prazer, “descarrego” parte dessas cargas
negativas. Mas nunca poderei resolver as raízes do problema que tenho em
relação ao trabalho – a insatisfação e as frustrações geradas ali – por meio de
atividades secundárias, por melhor que elas sejam. Assim, toda ação que
proporciona a sublimação pode ajudar, mas não deve ser tomada como solução.
Quanto aos indivíduos com quem
nos sentimos à vontade para expor nossas intimidades e desabafar: devemos ter
em mente que tais pessoas não dispõem de recursos técnicos, tão pouco conhecem
a ciência por detrás dos processos psíquicos. Não dispõem, portanto, de
ferramentas para reduzir as nossas defesas psíquicas e chegar ao cerne das
questões, não ultrapassando a superfície dos problemas relatados.
Outra limitação dos ouvintes é que
não foram treinados para serem imparciais e evitarem apreciações, ou
julgamentos, sobre aquilo que é falado. Somente o fato de o indivíduo que
desabafa saber que tal julgamento pode e provavelmente vai acontecer já é
motivo suficiente para reforçar as defesas, impedindo-se de se aproximar da
origem do problema. Se o cérebro “esconde” de nós aspectos da realidade, isso
se deve à dificuldade de aceitação desses aspectos. E a possibilidade de
apreciação por parte de terceiros somente pode inibir ainda mais o indivíduo ao
relatar suas queixas. O resultado é a distorção dos relatos e a fuga da
realidade que tenta inconscientemente esconder.
Por que então falar com alguém
alivia? Por que podemos, através da fala, vivenciar emoções. Ao tocar em
determinados assuntos podemos reduzir cargas de raiva, angústia, e etc. Além
disso, compartilhar pensamentos torna tais conteúdos mais palpáveis para
análise, facilitando o processamento dos parâmetros que nos guiam em nossas
decisões, o que alivia a tensão emocional. E, quando encontramos aceitação de
tais pensamentos, também isso reflete na autoestima, já que a aceitação por
parte de terceiros torna os pensamentos mais aceitáveis para nós mesmos.
Entretanto, apesar dos benefícios que essas conversas podem gerar, não podem,
sem erro, ser consideradas processos terapêuticos.
Como funciona a Terapia?
O Psicólogo não é alguém que somente
senta e ouve queixas, como muitos podem conceber. Ele é um profissional que
analisa os conteúdos, não para apreciação moral, mas para, a partir deles,
encaminhar o paciente, através de intervenções, ao que a psicanálise chama de
Insight. O Insight é a constatação das raízes de determinada queixa, ou seja, o
momento em que determinada causa deixa de ser retida no inconsciente e se torna
consciente. Sua vivência permite o entendimento, a conscientização e
consequentemente o alívio de determinadas questões psicológicas.
Chegar ao Insight não é fácil,
pois as barreiras psíquicas estão constantemente atuando para esconder
conteúdos. Inicialmente o Psicólogo conduz a conversa, de acordo com o que o
paciente propõe, com o intuito de detectar incoerências, desconexões e negações
irrefletidas nos relatos. Um ouvido apurado, que não se deixe seduzir pela
conversa, é fundamental. Assim como é fundamental que o Psicólogo não seja
familiar ou se torne amigo do paciente, pois a neutralidade e a percepção dessa
neutralidade por parte do paciente são fundamentais. Afinal não é função do Psicólogo
emitir julgamentos, mas permitir ao paciente o entendimento daquilo que o faz
sofrer.
Quando, então, o paciente se
conscientiza amplamente do problema e de suas fontes, ou seja, quando sabe
nomear realmente qual é a causa de seu sofrimento, pode elaborar planos para
sua solução. Aí entra também outra função do Psicólogo: ajudar o paciente a
estabelecer as bases emocionais que o permitam agir. Por exemplo, não basta
somente descobrir que o trabalho é a origem das aflições do paciente, pois nem
sempre a conscientização resulta em ação para a mudança. O paciente, através da
relação terapêutica, vai se encorajando para tal mudança, qualquer que seja
ela. Pode, por exemplo, mudar de emprego, ou melhorar as relações no ambiente
de trabalho, ou alterar a carga à qual está disposto a submeter-se, e etc. Quem
vai decidir o melhor caminho é o paciente, pois não é função do Psicólogo tomar
decisões por ele. Enfim, o Psicólogo ajuda o paciente a tornar-se quem ele
realmente é, e não quem a sociedade espera que ele seja. Somente assim o
paciente poderá se realizar como pessoa.
O boicote ao processo psicoterapêutico
Muitos indivíduos, quando começam
a terapia, percebem a necessidade de entrar em contato com seus conteúdos
emocionais para evoluir no processo. Como falado anteriormente, tais conteúdos
estão, em sua maioria, retidos no inconsciente. Ao longo do processo, o
paciente pode vir a perceber a proximidade da conscientização de fatos que
provocaram dor, angústia e etc., e por isso foram recalcados no inconsciente.
Assim, algumas pessoas podem boicotar, consciente ou inconscientemente, o
processo com o intuito de continuar se afastando daquilo que lhe causa prejuízos
emocionais. Podem, por exemplo, assumir desculpas que os levem a interromper a
terapia, como a falta de tempo ou a falta de condições financeiras.
Vejamos o seguinte exemplo: um
indivíduo sente atração física por pessoas do mesmo sexo, mas nasceu em um
ambiente que repudia a homo afetividade, classificando-a como uma falha no
caráter, ou uma perversão, ou uma escolha imoral imperdoável, e etc. Como sua
sexualidade não pode ser vivida completamente, apresenta outros problemas em
seu comportamento, tais como agressividade, ou submissão punitiva, ou
afastamento da sociedade, ou paranoia por medo de ser descoberto, e etc.
Procura a terapia com a queixa de que seu comportamento está afetando seu
trabalho, ou seus laços familiares, e etc. Quando se desenrola o processo,
percebe que a restrição em sua sexualidade, não assumida e que continua a
negar, é a raiz de todos os desvios que apresenta e que o levaram a buscar a
terapia. Para melhorar suas aflições, entende a necessidade de se assumir
completamente. É em momentos como esse que começam os boicotes, muitos deles
movidos pelo medo da nova condição e de suas consequências externas.
Há também boicotes que se dão
pelas pessoas relacionadas ao paciente, principalmente cônjuges e familiares,
devido ao medo das mudanças no paciente, que podem afetá-los direta ou
indiretamente. Esses boicotes se dão, em parte, através de processos
inconscientes. Por exemplo, pais que são superprotetores e alimentam uma
relação de dependência dos filhos podem boicotar a terapia assim que eles
comecem a se mostrar mais autônomos, ou independentes, como resultado do
processo. Maridos ou esposas podem boicotar a terapia com o medo de que o Psicólogo
cause uma separação em um relacionamento que não está saudável para os
pacientes. Outros medos podem levar aos boicotes, como o medo por parte dos
pais de perderem o controle dos filhos, expresso por meio de comentários tais
como “o que você vai falar com seu Psicólogo que não pode falar para mim?”; ou
o medo dos cônjuges de serem expostos e taxados como vilões no relacionamento,
expresso através de comentários como “mas o Psicólogo só vai ouvir a sua versão
e não a verdade”.
Em relação a isso, três coisas
devem ser lembradas: primeira, não é o Psicólogo que promove as mudanças
objetivas, mas sim o próprio paciente que percebe a necessidade de mudar para
viver uma vida mais completa, mais saudável e equilibrada. Segunda, o boicote
ao processo terapêutico é uma covardia, uma vontade egoísta de que o outro a
quem se diz amar – filho, cônjuge, amigo, funcionário, etc. – se mantenha
prisioneiro de suas aflições e não possa, como consequência, alterar as
condições nas quais se encontram os relacionamentos. Terceira, não interessa ao
Psicólogo a verdade sobre os fatos, mas como o paciente enxerga e sente tais
verdades. Se o paciente acredita que o cônjuge é vilão do relacionamento, é a
partir desse sofrimento que o Psicólogo irá basear suas análises, o que não
quer dizer que embasará e assumirá como verdade tal alegação. O Psicólogo não
atua para formar conluios com o paciente contra ninguém.
Conclusão
O acompanhamento psicológico é de
extrema importância na sociedade atual, pois em uma época em que tudo é
instantâneo e imediato, não damos tempo nem temos vontade de lidar com o peso daquilo
que ficou para trás, que não é mais parte do presente. Mas é justamente nosso
histórico que nos torna aquilo que somos hoje e oferece as bases de quem
seremos amanhã. Se há muitos fatos mal resolvidos no campo emocional, todas as
vivências futuras serão abaladas e prejudicadas.
Por mais que tentemos, não
podemos nem devemos deter nossos pensamentos e sentimentos, afinal, não conseguimos
fugir de nós mesmos. Isso apenas alimenta o autoengano e a fragmentação interna.
E não há vida boa em estado de desintegração, ou seja, em discordância entre nosso
“eu” social e o nosso “eu” real. Como este último não cessa sua busca por brechas
através das quais possa florescer, tentar impedi-lo somente pode causar
sofrimento.
Descubramo-nos sem medo do que
podemos encontrar. E, para isso, podemos todos contar com a terapia. É, às
vezes, um longo ou, eventualmente, um “doloroso” processo, mas entendamo-lo
como um meio para atingir um fim: equilíbrio emocional, um dos pré-requisitos
para a felicidade.
Boa terapia a todos!
Ótimo artigo!!!!
ResponderExcluirExcelente!
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