terça-feira, 5 de maio de 2015

Sobre a Redução da Maioridade Penal

Escrito pelo Diretor do Grupo Projetar Roberto Guimarães.

O Projeto de redução da maioridade penal da idade de dezoito para dezesseis anos tem gerado polêmica e consequentes discussões fervorosas, principalmente nas redes sociais. Porém, tais discussões estão, em sua maioria, restritas ao posicionamento contrário ou em favor do projeto, e pouco se tem falado sobre os porquês de uma ou outra posição. O intuito do artigo é apresentar minha opinião e os fatores que a embasam.


Uma visão coerente, porém incompleta.

O Estado oferece ao indivíduo com a idade de dezesseis anos ou mais a possibilidade de participar da escolha de seus governantes através do voto. Isso indica o entendimento, por parte do Estado, de tal indivíduo como capaz de conhecer, processar e discernir sobre tão importante e complexa tarefa, ato reconhecido pela população como o mais significativo de uma democracia. Ao estar apto para o voto, entende-se que o indivíduo também reconhece a relação de sua escolha com as consequências possíveis. Isso significa que pode ser responsabilizado por suas ações.
É esta a noção que move parte daqueles que defendem a redução da maioridade penal: a ideia de que o indivíduo, sendo capaz de roubar, matar, e etc., deve ser capaz de responder como adulto por tais atos, uma vez que é capaz discernir sobre suas escolhas. Esta argumentação, aparentemente justa, parece suficiente para a decisão em favor do Projeto e, caso não houvesse outras considerações cruciais, eu também decidiria em favor da medida. Mas, infelizmente, esse não é o caso.

À procura de justiça.

Quando falamos em justiça, devemos ter em mente pelo menos dois fatores importantes:
Primeiro, as penas atribuídas aos crimes não tem como função principal a de “fazer justiça”, no sentido de compensação ou retaliação, mas sim a de evitar novos atos criminosos, através do exemplo propiciado por aqueles que são punidos. Por exemplo, vejamos o caso de um assassinato: por maior que seja a pena atribuída ao assassino, o homicídio não pode ser revertido. Portanto, de que serviria, nesse caso, a retaliação senão para saciar os desejos de vingança? Melhor seria punir de forma a intimidar agressores potenciais e, com isso, inibir novos assassinatos. Uma vida perdida no cárcere por uma pena de prisão perpétua é, certamente, um exemplo bastante impactante e, consequentemente, eficiente.
Infelizmente, porém, muitos de nós recebemos uma educação baseada no “olho por olho”, o que deturpa o entendimento dos propósitos das leis e impacta nos posicionamentos. Assim, quando pensamos em reduzir a maioridade penal o fazemos motivados, em parte, pela ideia de que os infratores devem pagar pelo que fizeram, mas não pela expectativa de que essa medida diminui ou resolve a criminalidade, através do exemplo e consequente inibição que as punições aos jovens na faixa de dezesseis a dezoito anos pode gerar.
Em um Estado como o nosso, no qual as leis são antigas e os órgãos responsáveis pelo seu cumprimento são uma piada, aumentar a faixa etária suscetível de pena criminal não é garantia de melhoria. Basta vermos os índices de reincidência à criminalidade dos indivíduos que já foram presos, cerca de setenta por cento (70%). Somente esse índice já indica que o foco dos setores responsáveis pela segurança não pode estar na redução ou não da maioridade penal, mas sim no estudo das condições que levam o indivíduo ao ato criminal e na reforma do sistema carcerário, visando aumentar as chances de reintegração social dos ex-detentos.
Segundo: é passível de julgamento aquilo de que se tem consciência e sobre o que se tem liberdade de escolha. Caso a escolha não seja possível, o julgamento não faz sentido. Vejamos um exemplo: ninguém pode ser julgado pelo ato de comer, uma vez que comer é um ato natural e necessário à manutenção da vida, o que significa que não pode deixar de ser executado. Como um dos direitos do ser humano é o direito à vida, comer para sobreviver é também um direito. Sendo assim, podemos ver que aquele a quem o Estado não garante comida, poderia dispor de quaisquer ações para consegui-la, sem que isso resultasse em pena – e mesmo sob o risco de pena, o organismo ainda assim lutaria para saciar a fome e evitar a morte. Isso porque o Estado que regulamenta e pune deve dar condições e informação para que o indivíduo cumpra suas determinações.
Boa parte dos atos criminais acontece para a obtenção de meios para manter o organismo vivo e ou para aumentar as chances de sobrevivência. E vejam que quando falamos melhorar as chances de sobrevivência, temos que incluir aqui tudo aquilo que é vendido pela indústria cultural como necessário. Por exemplo, o sentimento de pertencimento à sociedade, seja pela possibilidade de possuir aquilo que gera identificação com o meio ou pela possibilidade de adesão às suas instituições, é uma necessidade moral. Então, possuir um emprego é uma forma de pertencer, não somente de gerar renda.  Em um país com altos índices de desemprego, de empregos instáveis e informais, quais são as possibilidades de quem não possui emprego estável? Outro exemplo: em uma sociedade tecnológica, na qual a aceitação do outro depende, em parte, da possibilidade de conexão com a internet, quais são as oportunidades para aqueles que não possuem os meios de acesso – aparelhos celulares, computadores e etc.? Boa parte da população no Brasil se encontra nessa condição de exclusão. Um último exemplo: em uma sociedade consumista, determinadas comunidades são constituídas pela identificação na posse. Se o indivíduo não possui carro, não acessa alguns grupos; se não possui o tênis da moda, não acessa outros; e assim por diante. Quando julgamos que o indivíduo não precisava ter roubado um celular, fazemos-lo partindo da ideia de que celular não é necessidade básica. Mas, se você possui emprego, casa, comida, veículo, família, produtos da moda, e etc., certamente não tem ideia de como tudo isso lhe faria falta e impactaria em suas relações sociais. Pense em quantas portas são fechadas para aqueles que não condizem com os padrões de consumo atuais. É fácil concluir quando estamos confortáveis em nossos sofás.
É muito importante reforçar que não estou fazendo apologia aos atos criminosos, tampouco os estou justificando para torna-los aceitáveis. Crime tem que ser punido sim, mas punido também deve ser um Estado negligente quanto às condições básicas de sobrevivência de sua população. O intuito aqui é apenas mostrar que há muito mais por detrás da decisão de se cometer um crime, e que a luta pela sobrevivência em um Estado incapaz pode tomar rumos diversos. Quando o Estado não provê possibilidades, o indivíduo predispõe-se com mais facilidade à violação das leis. É, portanto, na ausência do Estado que devem estar assentadas nossas preocupações.

Consequências da aprovação do Projeto

Vejamos apenas algumas dentre as consequências possíveis da aprovação do projeto de redução da maioridade penal no Brasil:
Aumento significativo do número de detentos: se os complexos carcerários são atualmente insuficientes para acomodar os presos, imagine quanto dinheiro público seria gasto (e desviado) na tentativa de acomodar o novo contingente. Vale notar que o custo com um detento é inúmeras vezes maior do que com um estudante. Aumentar o sistema prisional é retirar recursos que poderiam ser utilizados na educação preventiva.
Perda da humanidade: os indivíduos que são submetidos ao regime carcerário não encontram condições humanas de tratamento, tampouco recebem orientações e oportunidades suficientes para a condução da vida fora da cadeia. Tendem a piorar seus comportamentos em contato com tais condições. O indivíduo na faixa etária de dezesseis a dezoito anos está mais suscetível aos efeitos dessa realidade, e sua reclusão, nas condições atuais, pode deteriorar facilmente suas chances de convivência em sociedade. Lembremos que, querendo ou não, esses indivíduos retornarão às ruas, cedo ou tarde, e de sua humanidade também depende nossa segurança. Quanto pior for o tratamento que receberam, pior será o tratamento que nos repassarão os que voltarem a cometer atos criminosos.
Silenciamento da opinião pública: a opinião pública é um importante elemento de pressão política, e é ela que orienta muitas ações governamentais. Infelizmente, porém, a opinião pública, por conta do baixo grau de instrução médio e da pouca informação da população, busca, com frequência, plasmar em um único fator toda sua frustração com relação ao cenário de violência, ou seja, busca um culpado para poder exorcizar seus medos, mesmo que tal fator não represente a única ou a principal causa de tal cenário de insegurança. O risco que corremos se aprovado o projeto de redução da maioridade penal é o silêncio da opinião pública, satisfeita por uma solução que não somente é insuficiente como pode se tornar prejudicial à segurança da população, conforme mostrado acima.

Conclusão

Por uma questão de coerência e de senso de justiça, na base do “olho por olho”, a redução da maioridade penal da idade de dezoito para dezesseis anos parece uma boa medida a ser tomada. Porém, no Brasil, com todas as faltas do Governo para com sua população, tal medida pode tornar-se prejudicial à segurança que pretende promover. Portanto, mesmo que a ideia pareça boa, se aplicada no cenário real e atual, promete mais reveses do que ganhos, e por isso sou contra a aprovação dessa medida nesse momento. Caso tenhamos no futuro um Brasil com um sistema educacional abrangente, com as desigualdades sociais reduzidas e com um sistema carcerário eficiente na ressocialização, poderei repensar minha posição. 

Um comentário:

  1. Parabéns, Roberto. Texto excelente e que nos leva à uma maior reflexão, entre nossos anseios e a realidade que aí está.

    ResponderExcluir

Todas as imagens utilizadas nos artigos foram extraídas do Google Imagens